Pelo menos cinco espécies de crocodilos caminharam com dinossauros na Lourinhã durante o Jurássico

Os crocodilomorfos, grupo que inclui os crocodilos atuais e seus ancestrais mais próximos, foram muito abundantes e diversos no final do Jurássico, há 150 milhões de anos atrás.

Um novo estudo, focado em minúsculos dentes coletados nas falésias da Lourinhã, mostrou que pelo menos cinco espécies coabitaram nas proximidades, num sistema de rios jurássicos da região.

Este trabalho foi agora publicado na prestigiada revista científica internacional Zoological Journal of the Linnean Society, parte integrante de uma dissertação de mestrado em Paleontologia por Alexandre Guillaume, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e Museu da Lourinhã, agora a começar o seu doutoramento com foco em microfósseis (fósseis menores que 5 mm) de vertebrados.

Esta tese foi coordenada pelos paleontólogos das mesmas instituições, Miguel Moreno-Azanza e Octávio Mateus, juntando-se também para este artigo Eduardo Puértolas-Pascual, especialista em crocodilomorfos ibéricos. 

Centenas de quilos de sedimentos jurássicos da Lourinhã Portugal foram peneirados e os fósseis, que podem ser tão pequenos quanto um milímetro, foram triados e incorporados nas coleções do Museu da Lourinhã. De entre os milhares de fósseis encontrados, os pequenos dentes de crocodilomorfos estão entre os elementos mais comuns nesses sedimentos, pertencendo a espécies pequenas e a juvenis de espécies maiores.

Em mais de 120 dentes, coletados entre 2017 e 2018, foi possível distinguir 10 morfologias diferentes, de 5 táxons diferentes: Atoposauridae, Goniopholididae, Bernissartiidae, Lusitanisuchus mitracostatus e um crocodilomorfo indeterminado. O Lusitanisuchus já era conhecido a partir de material fóssil da Mina da Guimarota, em Leira, mas esta é a sua primeira descoberta na Lourinhã. Também é de notar a ausência de dentes pertencentes ao Machimosaurus hugii, um crocodilomorfo marinho cujos dentes provenientes de Lourinhã já foram encontrados e publicados, e ao Lisboasaurus estesi, outro crocodilomorfo da Mina da Guimarota, nas amostras estudadas. Finalmente, o pequeno tamanho dos dentes encontrados sugere que os animais a que pertenciam eram jovens ou de espécies pequenas. Contudo, restos esqueléticos precisam ser encontrados para responder a esta pergunta.

Este estudo não aborda apenas a diversidade das faunas jurássicas, mas também explora as suas relações ecológicas. As diferentes morfologias observadas nos dentes permitiram distinguir 4 comportamentos alimentares diferentes: os goniofolídeos alimentavam-se de  presas com concha e moles, como jacarés modernos; os bernissartídeos de animais com conchas, como caracóis ou moluscos; os atoposaurídeos e Lusitanisuchus de pequenos artrópodes, como insetos e crustáceos e, ocasionalmente, pequenos vertebrados, como mamíferos e anfíbios, como os crocodilianos juvenis existentes; e, por último, o crocodilomorfo indeterminado era um predador carnívoro terrestre.

A recolha desses pequenos microfósseis é um trabalho árduo, envolvendo mais de 700 horas de trabalho cuidadoso, realizado pelos autores, mas, principalmente, por voluntários do Museu da Lourinhã e estudantes da Universidade Nova de Lisboa. Atualmente, um projeto de ciência cidadã, MicroSaurus, treina visitantes do Museu da Lourinhã e do Parque dos Dinossauros da Lourinhã para encontrar esses pequenos, mas valiosos, vestígios do passado.

Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (PTDC-CTAPAL-31656-2017 e bolsas de post-doutoramento) e pela bolsa de pesquisa Microsaurus-SuperAnimais 3, financiada pela empresa Parque dos Dinossauros da Lourinhã.