Entrevista: um mês depois da chegada, cidadãos ucranianos refazem a vida na Lourinhã

Natalia foi das primeiras cidadãs ucranianas a chegar à Lourinhã. Com ela, vieram também os seus dois filhos e a esperança de encontrar a paz que lhes foi tirada, em fevereiro deste ano, aquando da invasão da Rússia à Ucrânia.

Para trás deixou a irmã, por opção, e o irmão que, ao abrigo da Lei Marcial, não pode sair do país.

Natalia fez parte do primeiro grupo de 55 cidadãos ucranianos a chegar ao nosso concelho, ao abrigo de uma missão humanitária organizada pela sociedade civil, à qual se seguiram mais duas. Animada, recorda o anúncio feito no centro de refugiados, em Varsóvia, por Halyna Malik, uma voluntária da primeira missão solidária.

A maior dificuldade com que se deparou a chegar a Portugal foi a língua. Neste campo, a adaptação foi mais fácil para a sua filha Amina que rapidamente aprendeu a contar até 10.

José Tomé, vereador na Câmara Municipal, diz-nos que com o apoio dos agrupamentos de escolas do concelho têm sido possível trabalhar as questões da língua com estes cidadãos. Para além das aulas para os jovens ucranianos, têm sido também dinamizadas aulas para os adultos.

O autarca destaca ainda o bom acolhimento por parte da comunidade escolar.

Apesar da vinda destes refugiados para o nosso concelho e municípios vizinhos ter partido da sociedade civil, a autarquia tem estado a acompanhar a situação desde o primeiro minuto. Exemplo disso foi um encontro que organizou com a comunidade ucraniana que reside no concelho, ainda antes da chegada do primeiro autocarro.

Para apoiar estes cidadãos, o município criou um balcão de atendimento a deslocados da Ucrânia. O balcão, com o intuito de prestar informações e orientar estes cidadãos em questões legais, no âmbito do Estatuto de Proteção Temporária de Refugiados em Território Nacional, conta já com 150 atendimentos.

Entrada no mercado de trabalho

A vontade de começar a trabalhar é comum a todas as cidadãs com quem conversámos. Algumas já estão integradas no mercado de trabalho. É o caso de Dasha Lipova, uma jovem de 19 anos.

No restaurante Dom Sebastião, Dasha é responsável por preparar a sala de refeição e entregar os pedidos à mesa. Já a sua mãe, Oksana, conseguiu emprego na Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã enquanto ajudante de cozinha.

Apesar de preparar pratos tradicionalmente portugueses, Oksana já teve oportunidade de preparar um bolo típico da Ucrânia. Um “bolo de Páscoa”, explica-nos, composto por ovos, farinha, leite, manteiga, passas e frutos secos.

As capacidades, conhecimento e dedicação destes cidadãos foi enaltecida por José Tomé. Uma mais valia, diz o autarca, que tem facilitado a sua integração no mercado de trabalho.

O município tem também garantido apoio na área da saúde, um trabalho feito em articulação com os serviços de saúde locais. Na alimentação, para além dos bens que são doados semanalmente pela associação Peacefull Essence, o município tem apoiado estes cidadãos com vales alimentares no valor de 30 euros.

Famílias de acolhimento

As famílias de acolhimento desempenham um papel fundamental na integração destes cidadãos. Desde o primeiro momento, várias pessoas se disponibilizaram para acolher aqueles que fugiram da guerra. É o caso de Bento Silva.

As primeiras pessoas que acolheu chegaram assustadas. “Pareciam três passarinhos que tinham caído do ninho”, conta-nos. Garante-lhes todo o apoio que necessitam – desde uma ida às compras a uma ida ao médico -, mas espera que se consigam tornar independentes. Nutre especial carinho pela pequena Amina, que diz ser “como sua neta”

A autarquia tem acompanhado de perto a integração destes cidadãos realizando, quando necessário, visitas às habitações. Garantir que se sentem bem é uma das principais preocupações do município.

Gratidão. Será esta a melhor palavra para descrever aquilo que estas pessoas sentem. Não só para aquelas que disponibilizaram as suas casas, mas também para quem contribuiu com doações de roupa e de bens alimentares.

Natalia é uma das ucranianas que foi acolhida por Bento Silva. Na altura de agradecer faltam-lhe as palavras.

Mais de dois meses depois do início do conflito ainda não há fim à vista. Comum a todas as cidadãs ucranianas com quem conversámos está a vontade de regressar a casa, apesar da incerteza daquilo que poderão encontrar.